A notícia quase passou despercebida no abismo de acontecimentos mais mediáticos e mais explorados pela comunicação social, mas merece o maior destaque e atenção.
“O número de dadores de medula óssea disparou em Portugal nos últimos três anos. De pouco mais de mil e quinhentos, passou-se para sessenta mil. A "culpa" é de muita gente, mas cabe acima de tudo aos muitos dadores, que ao longo dos anos não se pouparam nem a esforços nem a confortos, aos médicos que trabalham nesta área, sempre muito dedicados e atentos e às várias associações que lidam com a doença, que fazem na maior parte das vezes um trabalho invisível e pouco mediático, mas muito meritório, no acompanhamento dos doentes, das famílias e na sensibilização da sociedade em geral. Duarte Lima, e outras pessoas famosas atingidas pela doença, deram também um contributo fundamental e continuado na luta contra a doença. São exemplos de coragem, altruísmo e dedicação a uma causa que devem ser seguidos. Como em muitas situações, há um momento que serve de arranque para uma nova fase. Pode ser um acontecimento ou uma até uma simples frase, uma ideia tímida. E o momento do arranque deu-se, neste caso, devido à coragem da família Botelho. Os pais da Inês. Em Maio de 2003, sem expor a criança a entrevistas e a perguntas que podiam confundi-la ou fragilizá-la ainda mais, os pais da Inês acederam, depois de várias conversas, a falar sobre o caso específico da filha. Uma menina de 10 anos que há vários meses lutava contra a doença e que não encontrava um dador disponível para lhe salvar a vida com um transplante. O tempo corria sem apelo. Cada minuto que passava era menos um grão na esperança que nunca esmoreceu até ao último momento, dois anos depois. A entrevista fez-se, sempre com respeito pela dignidade da criança. Na reportagem mostraram-se fotos da Inês, débil e frágil, mas sempre com o maior cuidado para não expor demasiado uma menina que insistia em ir à escola, em vibrar com o Benfica, em ter amigos e a casa cheia de algazarra. No último ano de vida, já doente, a Inês passou de ano. E continuava com o Benfica. Foi de resto devido a uma visita de Nuno Gomes ao IPO, acompanhado por Rui Borges e Antchouet, do Belenenses. Não dormiu nessa noite por saber que ia conhecer o ídolo. Ele deu-lhe carinho e atenção e deu-lhe uma força ainda maior para lutar contra a doença. Isabel e Filipe, os pais de Inês Botelho, estavam cheios de medo com a repercussão do caso depois da reportagem. Temiam não ser compreendidos e acreditavam que alguns pudessem apontar-lhes o dedo acusador, insinuando que procuravam as luzes da ribalta e os holofotes da fama. Isso não aconteceu. O apelo emocionado da mãe da Inês, que serviu de promoção à reportagem, chocou as pessoas e acordou os espíritos mais adormecidos. O trabalho exibido no antigo programa "Hora Extra", da Conceição Lino, deu origem a um intenso debate e a um reforçar dos apelos para encontrar mais dadores. O próprio Nuno Gomes, ausente no estrangeiro, participou via telefone e ajudou a sensibilizar muitas pessoas. As telefonistas da SIC e os centros de recolha de medula óssea não davam conta de tantas chamadas de solidariedade. Trabalharam com entusiasmo horas a fio e fora do horário habitual. Estava dado o pontapé de saída para tirar Portugal de um lugar tímido na lista de dadores. Aumentavam as hipóteses não só para os doentes portugueses, mas para doentes em vários países. Todos os que beneficiam do banco internacional de dadores. E infelizmente são muitos. A Inês foi recompensada, momentaneamente, pela coragem dos pais. Encontrou um dador e recebeu um transplante. Reacendeu-se a esperança mas de nada valeu. A Inês veio a morrer, uns meses depois, sem ter a vida com que sonhava todos os dias. Em Setembro de 2004, o júri da AMI atribuiu à reportagem a Menção Honrosa do Prémio Jornalismo Contra a Indiferença. É também um prémio para a família Botelho e por tudo o que ajudou a fazer pelos doentes de Leucemia em Portugal. A Inês não morreu em vão e hoje merece ser recordada. O caso a que deu rosto permitiu aumentar o número de dadores, ou seja, as hipóteses e a esperança dos doentes actuais. Eram quase mil e setecentos. As melhores expectativas apontavam para que o ano de 2003 terminasse com dois mil. Acabou com vinte mil. Actualmente, quatro anos depois, há sessenta mil dadores. Mas, infelizmente, existem mil novos casos de Leucemia todos os anos.”
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